segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A cinza dos corpos em silêncio

Todos os dias, Ele voltava à janela. 
Todos os dias, Ela lá estava. 
Calados, frente a frente, cada um no seu lugar, acendiam, quase em simultâneo, os cigarros. 
Ela, com os joelhos encostados ao peito, fumava devagar, como quem saboreia um corpo inteiro e o experimenta pela primeira vez. 
Ele, em movimentos rápidos mas certeiros, inspirava e expirava velozmente o tabaco. 
De ambos os corpos não saía nada, escondiam o fumo como se fosse um segredo. 
Não se tocavam. Estavam presos no olhar iluminado pelas pontas que ardiam nos respectivos cigarros, tipo as lanternas quando deitadas ao rio.      
Por isso - talvez por isso - nunca apagavam os cigarros, deixavam-nos ficar ali, tal como Eles, a arder até se confundirem com o som da atmosfera e se transformarem em cinza.
Hoje, dia após dia, cada um volta à sua janela. 
Nunca mais se cruzaram. Chegam a horas diferentes. Incertas. 
Ela, continua a saborear da mesma forma cada cigarro.
Ele, deixou de fumar, vai à janela ver a Lua. 

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