sexta-feira, 1 de outubro de 2010

E pede-se conhaque!


Aproxima-te um pouco de nós, e vê. 
O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos.
A práctica da vida tem por única direcção a conveniência.
Não há príncipio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. 
Ninguém se respeita. 
Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O desprezo pelas ideias em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima abaixo!
Toda a vida espiritual, intelectual, parada.
O tédio invadiu todas as almas. 
A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretárias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce. As quebras sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. A renda também diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguer. A agitagem explora o lucro.
A ignorância pesa sobre o povo como uma fatalidade. O número das escolas só por si é dramático.O professor é um empregado de eleições. A população dos campos, vivendo em casebres ignóbeis,sustentando-se de sardinhas e de vinho, trabalhando para o imposto por meio de uma agricultura decadente, puxa uma vida miserável, sacudida pela penhora; a população ignorante, entorpecida,de toda a vitalidade humana conserva únicamente um egoísmo feroz e uma devoção automática. No entanto a intriga política alastra-se.
O país vive numa sonolência enfastiada. 
Apenas a devoção insciente perturba o silêncio da opinião com padre-nossos maquinais. Não é uma existência, é uma expiação. 
A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte:o país está perdido! Ninguém se ilude.
Diz-se nos conselhos de ministros e nas estalagens. E que se faz?
Atesta-se,conversando e jogando o voltarete que de norte a sul, no Estado, na economia,no moral,o país está desorganizado-e pede-se conhaque!
Assim todas as consciências certificam a podridão; mas todos os temperamentos se dão bem na podridão! 
In Farpas, Eça de Queirós, 1871

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Formas de vida

Nesse dia, o sol apareceu atrás dos afectos, malandro, como quem salta do alto de um muro, sem ser apanhado. 
- Abre a janela, rápido! 
Disse-lhe com uma voz grave. 
- Abre a janela rápido, enquanto o temos cá. Olha que não demora, o sacana faz sempre o que quer!
E voltou a rebolar-se na cama.
- Vou levantar-me. Hoje o dia não está para ficar fora do mundo! 
Mas o corpo não se mexeu, assim era a sua forma de estar na vida.  

(Ainda sobre) O Dia dos Prodígios


"... Retrato de um Portugal ainda à espera de Godot. ...". 

Les Aventures de Tintin


Em formato inédito!

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

"O que faz de Beckett tão poderoso, é exactamente a sua habilidade para condensar a experiência de um século apocalíptico dentro de uma história simples. Ele comprime o universo num átomo, que depois explode na nossa imaginação".