sábado, 7 de janeiro de 2012

Merci


- Cérebro, coração e mãos?
- Presente!
- "Merci". 

Os Outros

Espaço

"Não confundir amizade (ou amor) com «interesse». É uma máxima canónica. Pois. Mas que amizade (ou amor) não assenta no interesse dela? Porque é o interesse que cria condições não apenas para o interesseirismo mas para a própria amizade. Só nos interessa a amizade de quem nos interessa... Os meus hábitos de vida exigem para as relações o que entre de algum modo nesse hábitos. Nem tem sentido gostar-se de alguém por si mesmo. O «si» mesmo é todo o espaço em que se manifesta. O meu único espaço habitável para os outros é o que lhes invento em alguns livros. No resto vivo só eu."
Vergílio Ferreira

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Apenas conhecemos fragmentos dos Outros


“Quando te encontras na base de um importante maciço montanhoso, estás longe de conhecer toda a sua diversidade, não tens nenhuma ideia das alturas que se ergueram por trás do seu cimo ou por trás daquele que te parece ser o cimo, não suspeitas nem o perigo dos abismos nem os confortáveis assentos ocultos entre os rochedos. Apenas se subires o teu caminho que se revelam pouco a pouco a teus olhos os segredos da montanha, alguns que esperavas, outros que te surpreendem, uns essenciais, outros insignificantes, tudo isso sempre e unicamente em função da direcção que tomares; e nunca te revelarão todas. 
O mesmo acontece quando te encontras diante de uma alma humana.
Aquilo que se te oferece ao primeiro olhar, por mais perto que estejas, está longe de ser a verdade e certamente nunca é toda a verdade. É apenas no decurso do caminho, quando os teus olhos se tornam mais penetrantes e nenhuma bruma perturba o teu olhar, que a natureza íntima dessa alma se revela a pouco a pouco e sempre por fragmentos. Aqui é a mesma coisa: à medida que te afastas da zona explorada, toda a diversidade que encontraste no caminho se esbate como um sonho, e quando te voltas uma última vez antes de te afastares, vês apenas de novo esse maciço que te surgia falsamente como muito simples, e esse cimo que não era o único que existia. 
Apenas a direcção é realidade; o objectivo é sempre ficção, mesmo quando alcançado - sobretudo neste caso”. 
Arthur Schnitzler, in 'Observação do Homem'

Num único sorriso - Robert Rauschenberg, Merce Cunningham e John Cage

"I certainly had no feeling for harmony, and Schoenberg thought that that would make it impossible for me to write music. He said, 'You'll come to a wall you won't be able to get through.' So I said, 'I'll beat my head against that wall." 
John Cage

Vigilance of spirit

"There are no exact guidelines. There are probably no guidelines at all. The only thing I can recommend at this stage is a sense of humor, an ability to see things in their ridiculous and absurd dimensions, to laugh at others and at ourselves, a sense of irony regarding everything that calls out for parody in this world. In other words, I can only recommend perspective and distance. Awareness of all the most dangerous kinds of vanity, both in others and in ourselves. A good mind. A modest certainty about the meaning of things. Gratitude for the gift of life and the courage to take responsability for it. Vigilance of spirit". 
Vaclav Havel Open Society Prizeem 1999.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

When We're Dancing

David Hockney

O intelectual e a política - Por Václav Havel

Texto originalmente publicado em 1998
Será que um intelectual – por virtude dos seus esforços em ir além da superfície das coisas, em entender relações, causas e efeitos, em reconhecer os itens individuais como partes de entidades maiores e assim derivar uma consciência mais profunda desses factos e uma responsabilidade pelo mundo – se adequa à política?
Posto deste modo, cria-se uma impressão que considero ser o dever de qualquer intelectual de participar na política. Mas isso é absurdo. A política também envolve um número de requisitos especiais que só a ela são relevantes. Algumas pessoas preenchem esses requisitos; outras não, independentemente de serem intelectuais.

É minha convicção profunda que o mundo precisa – hoje mais que sempre – de políticos iluminados e previdentes que sejam suficientemente arrojados e tolerantes para considerar coisas que estão para além do âmbito da sua influência imediata tanto no espaço como no tempo. Precisamos de políticos dispostos e capazes de se erguer acima dos seus próprios interesses, ou dos interesses particulares dos seus partidos ou estados, e de agir de acordo com os interesses fundamentais da humanidade de hoje – isto é, de se comportar do modo que todos se deviam comportar, mesmo que a maior parte não o faça.

Nunca antes a política esteve tão dependente do momento, das disposições fugazes do público ou dos meios de comunicação. Nunca antes foram os políticos tão impelidos a perseguir o efémero e o tacanho. Parece-me muitas vezes que a vida de muitos políticos prossegue do noticiário televisivo de uma noite, para a sondagem à opinião pública da manhã seguinte, para a sua imagem televisiva na noite seguinte. Não tenho a certeza se a era actual de meios de comunicação de massas encoraja a emergência e crescimento de políticos da estatura de, digamos, um Winston Churchill; duvido que tal aconteça, embora possam sempre haver excepções.

Resumindo: quanto menos a nossa época favorece os políticos que se entregam a reflexões de longo prazo, mais esses políticos são necessários, e portanto mais intelectuais – pelo menos aqueles que correspondem à minha definição – deviam ser bem-vindos na política. Esse apoio poderia ser proveniente, entre outros, daqueles que – por qualquer razão – nunca entram na política, mas que concordam com esses políticos, ou pelo menos partilham a natureza moral subjacente às suas acções.

Oiço objecções: os políticos devem ser eleitos; as pessoas votam em quem pensa como elas. Se alguém quer progredir em política, deve prestar atenção à condição geral da mente humana; deve respeitar o ponto de vista do chamado eleitor “médio”. Um político deve, goste ou não, ser um espelho. Não deve ousar ser um arauto de verdades impopulares, pois o reconhecimento das quais, embora talvez no interesse da humanidade, não é considerado pela maioria do eleitorado como fazendo parte das suas preocupações imediatas, ou poderá mesmo ser considerado como antagonista dessas preocupações.

Estou convencido de que o propósito da política não consiste em satisfazer desejos de curto prazo. Um político também deve procurar o apoio popular às suas próprias ideias, mesmo que impopulares. A política deve implicar convencer os eleitores de que o político reconhece ou compreende algumas coisas melhor do que eles, e é por essa razão que devem votar nele. As pessoas podem assim delegar num político certos assuntos que – por uma variedade de razões – não conseguem apreender, ou com os quais não se querem preocupar, mas que alguém tratará por eles.

Claro, todos os sedutores das massas, tiranos potenciais, ou fanáticos, usaram este argumento para suportar a sua posição; os comunistas fizeram o mesmo quando se declararam o segmento mais iluminado da população e, por virtude desta alegada iluminação, arrogaram-se o direito de governar arbitrariamente.

A verdadeira arte da política é a arte de ganhar o apoio das pessoas para uma boa causa, mesmo quando a perseguição dessa causa possa interferir com os seus interesses particulares momentâneos. Isto devia acontecer sem impedir alguma das muitas maneiras em que podemos confirmar que o objectivo é uma boa causa, garantindo assim que cidadãos confiantes não são dirigidos para servir uma mentira e sofrer desastres como consequência, numa busca ilusória de prosperidade futura.Deve ser dito que existem intelectuais que possuem uma muito especial capacidade para cometer este mal. Elevam o seu intelecto acima do de todos os outros e eles próprios acima de todos os seres humanos. Dizem aos seus concidadãos que se não entendem o brilho do projecto intelectual que lhes é oferecido, é porque são mentalmente limitados e ainda não se içaram às alturas habitadas pelos proponentes do projecto. Depois de tudo o que passámos no século XX, não é muito difícil reconhecer como pode ser perigosa a atitude deste intelectual – ou antes, deste quase-intelectual. Lembremo-nos de quantos intelectuais ajudaram a criar as várias ditaduras modernas!

Um bom político deve ser capaz de explicar sem tentar seduzir; deve procurar humildemente a verdade deste mundo sem clamar ser o seu dono profissional; e deve alertar as pessoas para as boas qualidades que possuem, incluindo um sentido dos valores e interesses que transcendem o pessoal, sem se apropriar de um ar de superioridade nem impor o que seja aos seus iguais. Não deve ceder aos ditames dos humores públicos ou dos meios de comunicação de massas e ao mesmo tempo nunca dificultar o escrutínio constante das suas acções.

No reino de uma tal política, os intelectuais deviam fazer sentir a sua presença numa de duas maneiras possíveis. Podiam – sem achar isso vergonhoso ou aviltante – aceitar um cargo político e usar essa posição para fazer o que consideram correcto, não apenas para se agarrar ao poder. Ou poderiam ser quem empunha um espelho para os que estão em posição de autoridade, garantindo que os últimos servem boas causas e que não começam a usar lindas palavras como uma máscara para más acções, como aconteceu a tantos intelectuais na política nos últimos séculos.
Václav Havel
(falecido a 18 de Dezembro, era aquele intelectual raro que, em vez de forçar a sua entrada na política, viu a política ser-lhe imposta. Em 1998, enquanto era Presidente da República Checa, ofereceu esta reflexão sobre os benefícios e os perigos da sua opção de carreira).

Tradução de António Chagas/Project Syndicate

I Ching - "O acaso como disciplina e algumas variações"

Credo in US


"... A series with a satirical character... ."
John Cage, about Credo in US