sábado, 4 de junho de 2011

Last cup of sorrow

Queixa das almas jovens



Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma de uma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crâneos ermos
Com as cabeleiras das avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa historia sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra que o medo
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Somos vazios despovoados
De personagens de assombro
Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco
Dão-nos um pente e um espelho
Pra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
Um avião e um violino
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida, nem é a morte
Natália Correia 

Sublime

Freedom

Que faria eu sem este mundo, sem esta cara, sem perguntas 
Onde o ser só dura um instante e cada instante se derrama no vazio 
no esquecimento de ter sido sem essa vaga onde no final 
corpo e sombra se afogam juntos 
Que faria eu sem esse silêncio antro de murmúrios 
ar que junto furioso rumo ao 
socorro rumo ao amor 
sem esse céu que ascende 
sobre o pó do seu lastro 
Que faria eu 
faria como ontem 
como hoje 
verificando da minha escotilha 
se não estou só
a errar a vaguear longe de toda a vida 
num espaço fantoche 
sem vozes por entre as vozes 
comigo fechadas. 
Samuel Becket 
Que ferais je sans ce monde, 
In Six Poems 

terça-feira, 31 de maio de 2011

Coisas do coração


«Deixei que viesses
e para mim tangesses
a aliciante lira
da tua mentira.

Deixei que viesses
e que me prendesses
nos laços doirados
dos nossos pecados.

Deixei que viesses,
não por que te amasse.
Foi para que morresses
e eu não te chorasse.»

Universalismo Cósmico - The Tree of Life

Uma luz pequena e muda, entre a imensidão e a eternidade.
"Que pequena luz 
que vacila exacta 
Que Bruxuleia firme 
Que não ilumina 
Apenas brilha (...) 
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha
Tudo é terror, vaidade, orgulho, teimosia: brilha;
Tudo é pensamento, realidade, sensação, saber: brilha;
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha;
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não: brilha."
Jorge de Sena    

domingo, 29 de maio de 2011