segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Consultório

Cruzaram o respirar e sorriram sem os lábios.
Encontravam-se no mesmo local, pela mesma razão. 
Outra pessoa. A mesma pessoa. 
Ambos sabiam que seria assim, era uma questão de tempo, afinal tinham experimentado o mesmo motor de arranque. 
Conheciam bem os espinhos onde se cortaram. Estavam, ambos, esfrangalhados e tinham os rostos tingidos da mesma cor malvada. 
O momento era invulgarmente introspectivo e esclarecedor, os dois tinham perdido as singulares linguagens corajosas. 
Estavam numa grande poça de nada, mergulhados numa invisível maré vazia. 
No entanto, coraram. 
- Continuamos a ser os únicos animais que coram, não é verdade? Disse o mais velho. 
Nada. Não lhe foi devolvido um único som ou expressão.  
As carnes, o respirar, as mãos, deixavam transparecer que para aqueles dois Homens, a vida tinha terminado de uma forma abrupta e cruel. Estavam vazios do "eu", cheios de nada.  
A outra pessoa, a mesma pessoa, era mestre em sugar os outros. 
Porém, o tempo havia passado de forma diferente pelos dois.
Pelo mais novo, o tempo ainda era medido pelo tamanho dos dias; ao invés, pelo mais velho, já se encontravam os anos. 
Provavelmente por esse motivo, um conseguia falar e o outro, ainda, não. 

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